Diniz Borges, ou a diáspora no seu melhor

 

Nesta comunidade, que tem mais de 140 anos de existência, estamos, pouco a pouco, a consciencializarmos do facto que é necessária a nossa integração sem uma diluição total.

Diniz Borges, À Sombra da Saudade

Vamberto Freitas

À Sombra da Saudade: Vivências Portuguesas na Califórnia, o mais recente livro do professor e ensaísta Diniz Borges, que emigrou para a Califórnia aos 10 anos de idade, mais tarde licenciando-se pelo Chapman Çollege, tendo depois feito um mestrado em Literatura Étnica dos Estados Unidos na California State University, em Dominguez Hills. Hoje aposentado do ensino secundário oficial da Califórnia, é docente convidado de Português no mesmo sistema universitário, mas agora no polo de Fresno. Desenvolve nas suas novas funções lectivas uma actividade quase frenética na defesa da nossa língua e cultura a vários níveis. Anteriormente, pertenceu também à faculdade de um Community College, College of the Sequoias, na cidade de Visalia. Tenho seguido a sua carreira desde o seu tempo de jovem, quando já fazia rádio para as comunidades circundantes da cidade onde sempre viveu, Tulare (cidade irmã de Angra do Heroísmo), onde reside um grande número de açorianos tradicionalmente ligados à agro-pecuária, mas hoje disperso pelas mais variadas profissões, denotando desde logo o seu sucesso no mundo trabalhista. Não tenho espaço aqui para referir toda a sua biografia pessoal e profissional. Posso dizer, no entanto, que embora sempre a viver numa pequena comunidade no Vale de São Joaquim, no interior central da Califórnia, a sua luta foi sempre constante: manter viva a língua portuguesa, advogar a sua escrita, e ao mesmo tempo apoiar a nossa integração na sociedade americana, fazendo das duas línguas e culturas o centro da nossa vida em todo o país. Não é o único a dedicar-se a esta causa, mas é indubitavelmente um distinto lutador incansável para que a nossa gente nunca deixe de pertencer por inteiro à sociedade que a acolheu com civilidade e admiração. Falo do que eu próprio vi e vivi pessoalmente durante 27 anos. Para além dos mais variados reconhecimentos dos dois países, Diniz Borges foi nomeado há alguns anos Cônsul Honorário de Portugal da área onde vive e sob a jurisdição do Consulado Português na cidade de São Francisco. De resto, é um militante de força em associações políticas luso-americanas ligadas a congressistas e a outras altas patentes em Washington, todos os nossos descendentes, tendo alguns deles prestado serviço na Casa Branca.

Há muito mais, como já sugeri. Mas tenho de agarrar-me ao essencial que é este gigantesco volume de ensaios publicados em jornais de língua portuguesa nas nossas comunidades, desde os Estados Unidos ao Canadá e aqui nos Açores. Já os tinha lido quase todos, e agora fui aos poucos lendo os que faltavam. Um pormenor importante: À Sombra da Saudade contém alguns artigos em inglês, numa tentativa de chegar com a sua mensagem às gerações seguintes que já não leem português. Serão eles, dada a diminuição drástica da nossa emigração para aquele país, os continuadores do portuguesismo em língua inglesa, digam o que disserem os puritanos ou nacionalistas entre nós.

Esta escrita nunca foi feita sobre o joelho: é pensada, avaliada e dirigida a um público que garantirá – repita-se aqui sem reticências – todas as nossas tradições, lealdade à sua ancestralidade, e ainda mais pontas de lança dos interesses do nosso país numa sociedade etnicamente muito complexa, com cada grupo a defender a sua primazia no poder norte-americano a todos níveis – local, estadual e federal. A grande novidade deste livro de Diniz Borges é o seu optimismo e confiança no futuro e que, por inferência das suas claríssimas palavras, envolve a dignidade das suas duas pátrias e as relações de aliança entre ambas e em todos os sentidos. Estamos em presença do maior comentador luso de tendências esquerdistas dentro do Partido Democrático, um autor que rejeita toda e qualquer discriminação contra os que dele poderão discordar da concretização dos seus projectos, continuamente discutidos em diálogos de uma ponta à outro do grande país.

As comunidades açorianas – escreve Diniz Borges no ensaio ‘Santos de Casa Também Fazem Milagres’ – apesar da enorme distância geográfica que as separa das ilhas de bruma, ainda continuam a apostar nas suas vivências sócio-culturais. São muitas as comunidades que têm o seu grupo de folclore, a sua banda de música, a sua equipa de futebol, e onde está a gente da terra dos bravos, lá está o ganadero e a tourada. São os açorianos, e os seus descendentes, a apostarem na continuidade do seu legado cultural. São as novas gerações que começam a despertar interesse pelas terras e as tradições dos seus antepassados. E entre todo este entusiasmo há que olhar ao que transmitimos, e ao que poderá perder-se na inevitável miscigenação. Há que salvaguardar as tradições mais genuínas e há que preocuparmo-nos com a evolução a que as nossas comunidades também têm, obviamente, o direito. É que cada vez mais se vai às actividades da comunidade portuguesa por opção e não por necessidade”.

À Sombra da Saudade: Vivências Portuguesas na Califórnia tanto aborda as nossas tradições populares e a sua importância na preservação da nossa identidade em terras tão longínquas geográfica e culturalmente da nossa, como aborda o que já apontei atrás em termos políticos ou de activismo público, ou ainda como fala de escritores de ambos os países e as suas respectivas obras. Não creio ter sido por acaso que o autor se especializou na melhor literatura americana escrita por outros autores “minoritários” de várias etnias. Hoje, muita dela já faz parte do cânone literário americano, onde alguns dos nossos autores começam a entrar, esse escalão intelectual de reconhecimento literário, independentemente de condescendência ou apologia. Quando um Frank X. Gaspar, que se identifica totalmente em toda a sua obra com as suas raízes portuguesas na América (Fernando Pessoa e José Saramago estão frequentemente no centro da sua escrita, entre alguns outros) publica um poema em The New Yorker, ou uma Katherine Vaz é recenseada nas melhores publicações do seu país, algo de novo ou em crescente está a acontecer à nossa presença nacional americana, pelo menos no que diz respeito às artes literárias e outras. Por certo que já tinha acontecido com outros autores e autoras, e que referi noutros textos. Livros como este de Diniz Borges e muito dos trabalhos como os de Onésimo Teotónio Almeida continuam a dar conta a outros que o nosso povo, com toda a sua dignidade, tem ido muito além das fábricas da Costa Leste ou das vacarias do Oeste. Não quero aqui palavras de valorização de uns sobre os outros. Só sublinhar a solidez e a dignidade da nossa gente que teve a coragem de começar e recomeçar as suas vidas em todos os quadrantes da vida pública e privada num país tão diferente do nosso, apesar de sempre governado por outros – na cultura e na política.

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Diniz Borges, À Sombra da Saudade: Vivências Portuguesas na Califórnia, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições, 2019. Publicado originalmente na revista Gávea-Brown: A Bilingual Journal Of Portuguese-American Letters And Studies, Volume XLI, 2019, Brown University. Publicado também no meu “BorderCrossings” do Açoriano Oriental de 1 de Maio de 2020.

 

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