Homenagem a Eduíno: Outros Momentos

Vamberto Freitas

Prestar homenagem a Eduíno de Jesus é escrever palavras breves sobre um mítico escritor e poeta dos Açores, desde há muito residente no Continente como Professor de vários ciclos, tendo concluído a sua carreira na Universidade de Lisboa. Não vou escrever sobre o livro de poesia suprema consagrada pele Imprensa Nacional, sinal do seu estatuto canónico na literatura portuguesa. Para além disso, foi um dos grandes críticos das artes no nosso país, e sem deixar de teorizar a Literatura Açoriana. Alguns já escreveram sobre tudo isso, e não me vou colocar ao lado deles, entre muitos outros nomes o de Onésimo Teotónio Almeida. Aliás, tenho aqui ao meu lado Eduíno de Jesus: A Ca(U)sa Dos Açores Em Lisboa: homenagem de amigos e admiradores, em que ele devotou generosamente a sua actividade e dinamização durante quase toda uma vida, para onde foi ainda muito novo. Tenho o orgulho de ser aí mencionado em várias páginas. É do amigo e mentor que queria falar aqui. É um privilégio que muito prezo. Há muitos anos que não vou a sua casa, mas os momentos que com ele e outros passei lá são-me inesquecíveis. Primeiro, nunca tinha visto uma casa com tanto livros, em todas as salas e até na casa de banho. Lembro-me de tantos livros que até os interruptores estavam rodeados deles. Depois sentávamos na sala de jantar e ele trazia-nos um caderno escrito à mão com o nome de todos os vinhos que tinha em casa, e cada um escolheu o seu. Como eu não entendia ou conhecia nada daquelas garrafas, apontava para um, ele trazia e era sempre bom, do melhor. Gostava muito de carros, e as poucas voltas que dei com ele notei algo estranho: conduzia sempre com luvas pretas. Eduíno, para além de ser esse grande escritor e pensador que já mencionei tinha essa outra “excentricidade”. Tenho outros dois casos cómicos com este querido amigo. O Onésimo tinha-lhes sugerido que me convidassem para os já míticos encontros literários da Maia, aqui em São Miguel, em 1988-1991, que foram organizados por Afonso Quental (proprietário do Solar de Lalém e Bar Balada), por Daniel de Sá e Carlos Cordeiro (estes dois já falecidos) e mais tarde Urbano Bettencourt. Num desses encontros, após as nossas intervenções, sentamos-nos numa mesa, e eu estava tão eufórico por estar em presença deles todos, tomei uns copos à mais (como eles…) e à nossa frente um cinzeiro cheio de beatas. De quando em quando eu ia lá com a mão, mas não pegava em nada. A certa altura confundi tudo com amendoins, e dessa vez enchei a mão e meti na boca. Eles já tinham observado com riso na cara o meu engano. Quando aconteceu, cuspi tudo por cima da mesa e por cima deles. Foi uma festa. Por último, num desses encontros levaram-nos num autocarro até às Furnas para o almoço. Estava uma manhã linda, solarenga, com uma das paisagens mais lindas do mundo durante todo percurso. Sentei-me na parte de trás com Eduíno. Baixámos os estores para não sermos incomodados pelo sol, e já conhecíamos toda aquela natureza nas pontas dos dedos. Só falámos em literatura do mundo. De repente o Onésimo deu por isso e veio ter connosco com palavras, bom, mais ou menos surpreendido e algo “irrepreensíveis” com a sua gargalhada de amizade. Creio que nos disse “vocês não têm solução” quando chega a literatura. Continuámos na nossa conversa. Depois o almoço foi maravilhoso. Momentos? Belos, inesquecíveis.

Obrigado, Eduíno, por tudo.

Publicado hoje, 17de Janeiro de 2021, no “Diário dos Açores” numa homenagem ao grande escritor e poeta Eduíno de Jesus no seu no seu 93º aniversário.